A permanência de Jônatas Conceição (1952 – 2009)

Foto de Plataforma Jonatas Conceição – um espaço virtual dedicado à preservação e difusão da memória, obra e legado de Jonatas Conceição

Por América Lúcia Silva Cesar,

03 de abril de 2025.

Jônatas Conceição da Silva, escritor, poeta e liderança pioneira do Movimento Negro Unificado, “um dos mais sérios militantes do movimento negro do país”, segundo Oliveira Silveira (Silva, 1989:11); foi também educador popular, professor universitário, pesquisador, jornalista e diretor cultural do Bloco Afro Ylê Ayiê.  Tal diversidade de papéis que desempenhou nos seus breves 56 anos de vida, no entanto, tinha um denominador comum: a militância visceral na luta contra o racismo, nas suas mais diversas implicações.

Nascido no dia 8 de dezembro de 1952, em Salvador, Bahia, filho de Tertulino Sales da Silva e de Maria Isabel da Silva, caçula numa família de muitos irmãos e irmãs, Jônatas Conceição da Silva, foi criado e viveu toda a sua vida no Engenho Velho de Brotas, com exceção do curto período que passou na Universidade de Campinas, e das suas intensas idas e vindas a Saubara, terra do seu pai, onde também fez sua morada.  O Engenho Velho de Brotas, hoje um bairro da região central de Salvador, está nos títulos dos seus dois primeiros livros publicados, Miragem de Engenho (1984) e Outras Miragens (1989), e em muito da sua poesia. 

O lugar, remanescente de parte da antiga Freguesia de Brotas, datada do início do século XVIII, abrigava várias fazendas e engenhos de cana de açúcar. Com o passar dos séculos, não existem mais engenhos, mas o lugar continua a abrigar população majoritariamente negra, patrimônio da memória cultural e histórica da diáspora africana na Bahia, ainda invisibilizada nas narrativas oficiais. No último conto que escreveu, Nossas Mães, publicado postumamente no volume 32 dos Cadernos Negros (2009), Jônatas Conceição volta mais uma vez seu olhar para a memória do Engenho  Velho da sua infância, um berço de muitas mães negras. 

“Nossas mães começaram a aninhar suas crias ali por volta de 1930. Um Verger apressado chamaria de presépio o lugar. Ele estava encravado sobre um grande barranco, fazendo fronteira com as margens do Dique do Tororó e a parte mais alta do bairro, um engenho antigo. E ali onde nossas mães vieram morar era mesmo bonito de se ver: a grande lagoa com seus pequenos saveiros, suas lavadeiras e suas margens com belas plantações de hortaliças” (Silva, 2009:73)

Ana Célia, sua irmã mais velha, nos conta que, desde criança, Natinho, como era chamado pela família, foi um menino estudioso e implicado com os problemas sociais da sua comunidade.  Ainda na adolescência, como membro de grupo de jovens da Igreja do Alto da Capelinha, começou a realizar ações de educação entre os moradores e vizinhos, inclusive um jornalzinho de bairro, onde já colocava seus versos. Em 1972, fez vestibular e ingressou no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, no Curso de Licenciatura em Letras Vernáculas com Francês.

Seu ingresso na universidade lhe proporcionou a participação, juntamente com outros escritores e escritoras promissores, em diversas ações culturais e políticas no período mais cruel da ditadura implantada pelo golpe civil-militar de 1964, dentre elas, uma coletânea de poesia publicada artesanalmente; mas também a convivência com professoras e professores que marcam a sua trajetória como escritor.  Nas Oficinas de Criação Literária conduzidas pela Profa. Judith Grossmann, por exemplo, escreveu o seu primeiro conto, “Campo Fechado”, distribuído em cópias mimeografadas a álcool para colegas. Em 1976, publicou o conto intitulado Minha missão, aprovado em terceiro lugar em concurso literário em Fortaleza.

Concluído o curso de Letras, vai para São Paulo e se encontra com lideranças negras que organizam as primeiras manifestações que refundam o Movimento Negro no Brasil. Em setembro de 1985, participa do I Encontro de Poetas e Ficcionistas Negros Brasileiros, e junto com Cuti, Êle Semog, Esmeralda Ribeiro, Oliveira Silveira, dentre outros intelectuais negros. Desse encontro resulta a publicação Criação crioula, nu elefante branco (1987), onde publica um artigo intitulado “A traição da  tradição oral’. 

De volta a Salvador, dedica-se à organização do Movimento Negro Unificado (MNU) na Bahia, com destaque para a produção e edição do jornal Nêgo, com várias edições nessa década, e passa a integrar a equipe do Instituto de Radodifusão do Estado da Bahia (Irdeb). Na Rádio Educadora da Bahia foi responsável pela produção de programas de educação popular. É também na Rádio que produz a série de programas intitulada Afro Bahia, sob a sua coordenação e apresentação, cujo primeiro programa foi ao ar no dia 20 de junho de 1987. 

Durante sua atividade como radialista, concilia a militância no MNU, a produção de material didático para escolas comunitárias (Reflexões sobre o ensino de português para a escola comunitária), e uma ativa produção intelectual e literária com a publicação de vários contos e poesias nos Cadernos Negros, iniciativa que ajudou a organizar, juntamente com Carlos Limeira, Lourdes Teodoro, Miriam Alves, Oliveira Silveira. Ainda nesta década, publicou algumas poesias na coletânea internacional Schwarze Poesie/Poesia Negra (1988) em edição bilíngue. Em 1989, lança o seu segundo livro, Outras Miragens.

No início da década de 90, integrou como diretor cultural da Associação Cultural  Bloco Carnavalesco Ylê Aiyê e idealizou e executou, junto com grupo de educadores ligados ao Ylê  um projeto de formação de professores na perspectiva da educação etnicorracial, resultando, dessa experiência no Ylê Aiyê, nos Cadernos de Educação, que também idealizou e coordenou, cujo primeiro volume, intitulado Organizações de Resistência Negra, é lançado em 1995.

Já no início do século XXI, retorna para o curso de mestrado no Instituto de Letras da UFBa, sob a orientação da Profa. Dra. Florentina Souza, já que a sua dissertação “A crase não foi feita para humilhar ninguém”, resultado do curso de Mestrado que fez no  início de 80 mesmo, não pode ser defendida em tempo hábil. A sua nova dissertação de mestrado embasa a publicação pela Edufba do livro Vozes Quilombolas: uma poética brasileira (2004), cuja discussão aborda as composições de poetas e músicos negros, muitos dos quais foram inspirados pela sua própria produção literária e militância política.

Ainda nesta década faz concurso para professor de Literatura na Universidade Federal da Bahia e ingressa no Doutorado em Letras sob a orientação da Profa. Dra Florentina Souza. Infelizmente, não foi possível concluir o curso nem a escrita da tese porque nos deixou precocemente em 03 de abril de 2009.

4 Comentários

  • Luciana Oliveira da Silva Luz

    Meu tio…
    O caçula dentre os homens da família.
    Ainda lembro de sua presença em nossa casa… Eu estranhava seus hábitos alimentares, achava esquisito quando lhe via levando por aí suas maçãs para comer por onde fosse, ficava encucada quando lhe via introspectivo e calado por horas…
    Hoje me vejo lendo os seus contos, estudando e me dedicando à sua “velha dieta macrobiótica” (hoje a base da ciência ortomolecular), ouvindo as mesmas músicas e mantendo os mesmos gostos que ele e meu pai adoravam!
    Antes de seus últimos momentos, testemunhei a sua fé na ciência natural, em garrafadas, unguentos e emplastos de argila.
    Tudo isso nutriu a minha psiquê por anos e hoje, olha eu aqui hoje: uma fisioterapeuta dermatofuncional que depois de se especializar em tantas tecnologias percebe que um organismo, para ser nutrido e hígido, só precisa da natureza (oligoelemenros, vitaminas e minerais)!
    Eu pensei nele há alguns dias… O perdi alguns meses depois do meu casamento, mas nesta data, ele ainda esteva lá…
    Quando olho para o passado, fico muito grata por toda contribuição, mas ao mesmo tempo frustrada por hoje não poder lhe dizer: Tá vendo? Nada foi em vão!
    Abri um empreendimento em plena pandemia, vivi tantas coisas ao longo destes últimos anos e exatamente no último dia 03/04/2025, pensei: Não percebi que minha empresa faz aniversário no mesmo dia de sua ida!
    Não teve nada. Não teve post bonito no Instagram, comemoração, brinde, nada.
    Mas intimamente, agradeci a você!
    Tantas lutas até aqui, tantas viagens em mundos artificiais em busca de rejuvenescimento, melhora da autoestima de homens e mulheres, tanta angústia em busca de uma fatídica assinatura de negócio que me
    Iluminasse e direcionasse minhas ações para o resto da vida e de repente, me veio você a mente!
    Tudo que a nossa raça precisa é voltar para a natureza…
    É assim que nos fortalecemos, nos nutrimos, desinflamamos o corpo e a alma!
    Tenho certeza de que você me presenteou epifania para vida! Orei e agradeci.
    Mas no íntimo ainda pensei que se ele estivesse aqui eu ainda ouviria: “Tá vendo sacana?”
    Saudades do que eu não vivi ao seu lado…

  • Aurelina Mutti

    Parabéns América pela riquíssima dissertação sobre meu irmão caçula. Desconhecia apenas o concurso para professor de Literatura na UFBA, já no final do escrito. Que nossas lembranças cheguem até ele em forma de carinho. Bjs.

    • É gratificante a inteligência qua Deus da para as Pessoas. O poeta Jonatas Conceição da Silva foi uma dessas pessoas símbolo cultural da Bahia e de todos Brasil.
      Parabéns.

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