Midiã Noelle lança livro-guia para comunicação antirracista

Já estreado em Brasília e Salvador, o próximo lançamento será em Recife, na programação do evento Conecta Latinas, no dia 24 de maio

*Ramíla Moura Mendes Vieira, para o Portal Ìrohìn

Fotos por Duda Rodrigues

A escritora e jornalista negra Midiã Noelle lançou em Brasília, no início de abril, o seu primeiro livro: Comunicação Antirracista – Um guia para se comunicar com todas as pessoas em todos os lugares. Em 191 páginas, Midiã conecta sua experiência profissional como jornalista às suas vivências pessoais e sua intimidade com o exercício da comunicação na prática. Baiana, a jornalista relembra no livro que uma das suas referências para abertura de possibilidades e horizontes é Milton Santos, aclamado geógrafo brasileiro e uma das figuras mais respeitadas mundialmente, cuja história e imagem estavam presentes nas paredes de uma das escolas em que ela estudou.

No livro de bolso, Midiã homenageia majoritariamente mulheres negras fundamentais em sua formação pessoal e profissional e, ao citar músicas e textos de criadores negros, faz uma ode ao esforço coletivo para que a comunicação seja de fato um instrumento de diálogo em prol de uma sociedade mais justa, equânime e sem racismo.

Memória do nosso tempo

Segundo Midiã, a proposta do livro também é de construção da memória do nosso tempo. “Porque a construção da memória do nosso tempo também precisa ser dita: quem são esses comunicadores desse momento que estão lutando pela pauta antirracista no Brasil, e também o reconhecimento de que a comunicação antirracista é para todas as pessoas, em todos os lugares”, defende. Para ela, todas as pessoas têm lugar de fala no enfrentamento ao racismo, a partir de sua própria narrativa, da construção de visão de mundo, da linguagem utilizada, da cultura e do território. Midiã ressalta ainda que a comunicação não deve ser vista apenas como um instrumento, mas como uma estratégia que molda perspectivas, derruba e ergue governos, define o que é considerado belo ou aceitável, e que precisa ser pensada de forma antirracista, antipunitivista e antiproibicionista para garantir a humanidade da população negra.

Ao conectar sua trajetória profissional com as pessoas que a formaram, Midiã cita nome e sobrenome de diversas profissionais que a guiaram em seu percurso. As jornalistas e doutoras em Comunicação Juliana César Nunes e Kelly Quirino são mencionadas no capítulo sobre mídias negras, no qual ela narra suas experiências ao entrevistá-las em programas como Café com Mídia e Conexões Negras, reconhecendo-as como comunicadoras que estão, ao lado de outros e outras lideranças, na linha de frente da comunicação antirracista no Brasil.

Três exemplares do livro Comunicação Antirracista, de Mídia Noelle, estão expostos em cima de uma mesa coberta por um tecido roxo escuro. As capas têm design gráfico nas cores vermelha, preta, branca e rosa, com o título em destaque. Entre os livros, há um microfone e uma garrafinha de água com tampa azul. Ao fundo, uma cortina roxa ilumina suavemente a cena.
Lançamento do livro Comunicação Antirracista, de Midiã Noelle.

Comunicação antirracista em Brasília

Juliana César Nunes, que esteve presente no lançamento em Brasília, afirma que o livro de Midiã é um presente para a comunicação e para a luta da população negra. “A publicação de autoria da Midiã tem um valor imenso não apenas pela sua autoria individual, mas também coletiva, principalmente pela trajetória que levou à publicação do livro: a trajetória de uma jornalista, comunicadora negra, que tem se dedicado a construir conceitos e práticas de comunicação que contribuem para a informação, empoderamento e visibilidade da população negra”, destacou.

A jornalista ressaltou ainda que a obra oferece estratégias importantes para comunicadores profissionais e também para pessoas que atuam em redes sociais ou outras práticas comunicacionais, profissionais ou não. “O livro é um presente para a comunicação brasileira e para a luta do povo negro”, diz. “Como costumamos dizer, esses búzios que são devidamente colocados e de maneira muito estratégica, a nossa escrita, a escrevivência de mulheres negras, são búzios, pérolas, pedras preciosas que se colocam para nós e para a sociedade como um todo para ser esse mapa que nos guiam pelo caminho da comunicação antirracista”, conclui.

Kelly Quirino, professora da Universidade Católica de Brasília (UCB), lamentou não ter comparecido ao lançamento em Brasília, mas expressou orgulho ao saber que foi citada no livro. “Reconhecer o trabalho que eu tenho feito na universidade e no movimento social me deixa muito feliz e orgulhosa no sentido de que estou fazendo um bom trabalho em relação a uma comunicação antirracista no nosso país”, afirmou. Kelly também ressaltou que soma aos esforços apontados no livro de Midiã ao atuar como fonte para a imprensa do Distrito Federal, explicando conceitos de raça e racismo, ajudando no combate ao racismo e formando novos jornalistas com consciência racial.

Para todas as pessoas, em todos os lugares

Com linguagem simples e humanizada, Midiã narra suas inspirações na comunicação desde as vivências familiares em locadoras de vídeo ou com parentes fotógrafos e seu profundo respeito aos seus mais velhos que a ensinaram na prática como respeitar todas as pessoas. Ela defende que o ato de comunicar é um direito de todos e todas, sendo além de instrumento de formação da opinião pública, uma ferramenta importante para a mudança de comportamentos.

Midiã também chama atenção para o racismo como determinante social da saúde, especialmente para mulheres negras. No capítulo “Racismo e Mídia”, ela defende que informações como o fato de que 90% das mortes maternas poderiam ser evitadas com atendimento adequado precisam ser amplamente divulgadas pelos meios de comunicação como forma de alerta e denúncia, citando o caso da morte da gestante negra Alyne Pimentel como um exemplo de tragédia que poderia ter sido evitada.

Em sua pesquisa de mestrado intitulada Causa Mortis: Racismo, a advogada, mestre em Direitos Humanos e especialista em Gestão e Políticas Públicas Ilka Teodoro analisa a relação entre racismo e morte evitável de mulheres. Para Ilka, que esteve no lançamento do livro de Midiã na capital do país, a comunicação pode sim ser uma ação estratégica para o enfrentamento ao racismo e à prevenção de mortes evitáveis. “Na minha pesquisa, um dos achados é a relevância da comunicação para a não naturalização ou banalização, divulgação dos dados e prevenção dessas mortes. E o livro de Midiã Noelle vem esmiuçar como fazer, apontando caminhos e estratégias eficazes para evitar o apagamento dessas informações”, avalia. Para Ilka, trata-se de uma leitura obrigatória. “Uma alegria poder acompanhar o lançamento dessa ‘obra-ferramenta’ antirracista”, finaliza.

Além de rechear o livro de referências, análises de discursos e caminhos para  uma  comunicação  antirracista  acessível  para  todas  as  pessoas,  Midiã reconhece a importância da pesquisa sobre imprensa negra da jornalista e historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, por “desafiar as narrativas tradicionais que reduzem as experiências da população negra a um passado de escravidão e ignorância”, do Estatuto da Igualdade Racial no estabelecimento de diretrizes para a promoção da equidade racial nos meios de comunicação assim como defende a importância do Plano de Comunicação pela Igualdade Racial (PCIR) lançado ano passado pelo Governo Federal e no qual ela participou da elaboração. A jornalista também destaca, no livro, que para se fazer uma comunicação de fato antirracista o anticapacitismo, o antipunitivismo e o antiproibicionismo são dimensões fundamentais.

Eduardo George, um homem negro com óculos de armação escura, sorri amplamente em uma mesa de restaurante. Ele veste uma camisa polo clara.
Eduardo George

Um guia

Eduardo George é jornalista e atua na redação do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Como cadeirante, ele acredita que a comunicação pode ser uma ferramenta para quebrar estereótipos, dando voz a pessoas negras, fazendo recorte mais específico às pessoas negras com deficiência, mostrando suas histórias e realidade e desconstruindo a narrativa frequente de que são histórias de superação. “O livro é a melhor ferramenta para isso. Acredito que ter esses guias, assim, orientadores, ajuda muito, agrega muito. Porque muitas pessoas não sabem o caminho, como falar sobre esses assuntos, como abordar esses assuntos, como encontrar essas pessoas”, diz.

Assim, como Eduardo, Juliana analisa que “a gente carece ainda de material didático, de material, de literatura, em que a gente possa fazer esse debate a partir de um outro lugar, e não é um lugar rebaixado, de que uma parcela da população negra está se reivindicando de maneira subalterna ou reclamando”, defende. De acordo com Juliana, o debate tem sido feito de forma muito consciente dos nossos direitos, inclusive do nosso direito à comunicação, do direito à informação, de viver num ambiente verdadeiramente democrático, cidadão, que os nossos direitos constitucionais sejam respeitados. “Então, esses cuidados, esses alertas que a Midiã faz no guia, são fundamentais para que a gente possa efetivar esses direitos”, defende.

Para ela, principalmente com o digital, a internet e as redes sociais, as pessoas acabam de alguma forma, envolvidas em práticas comunicacionais, e para isso é necessário refletir sobre essas práticas. Ela destaca que a iniciativa de Midiã, é generosa, genuína, verdadeira, e muito coerente quando ela coloca “todo esse acúmulo dela, a disposição da coletividade por meio desse guia, que sem dúvida vai nos ajudar muito no cotidiano profissional e na formação profissional de novas gerações, especialmente de jornalistas e comunicadores”.

*Ramíla Moura Mendes Vieira, é jornalista, formada em 2014 pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e cursa especialização em Letramento Informacional: Educação para a Informação na Universidade Federal de Goiás (UFG).

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